Agora, usando de empréstimo o templo suntuoso para 5 mil pessoas da igreja evangélica Assembleia de Deus, no Brás, o casal de bispos diretamente de Miami - já que lá continuam cumprindo prisão domiciliar por conspiração e lavagem de dinheiro - reuniu 2 mil pessoas para um ato religioso, em homenagem às vítimas do desabamento do teto de sua sede mundial no Cambuci - pelo qual, ao que tudo indica, foram responsáveis diretos. Mas longe de fixar-se na dor da tragédia, o encontro transformou-se numa bem-sucedida promoção visando à arrecadação extra de recursos dos fiéis, destinada à reconstrução do templo e, se houver sobra, ao próprio enriquecimento.
“A imprensa que está aqui vai dizer que nós estamos pedindo uma doação especial. E estamos mesmo. Não é para mim, nem para a bispa, é para a glória de Deus” - disse Estevam Hernandes, concitando a todos : “Venham aqui, à frente do palco, apresentar as suas doações. Porque a quem dá, Deus não permite que falte nada.” Imediatamente, o palco se encheu de doadores brandindo os seus envelopes cheios de dinheiro. A tragédia propiciara uma exploração reforçada. Mas o fato de enxergar o “lado bom” do infortúnio - até para estimular o espírito de reconstrução ou de renascimento - já fora mostrado pelo bispo, ao referir-se ao que lhe tinham dito algumas vítimas, por coincidência poucos dias antes das trágicas mortes - que ele “sentiu como se tivesse perdido nove filhos”. Uma delas, Maria de Lourdes da Silva (67 anos), lhe dissera que queria morrer na igreja, porque “aqui, entre os mortais, há muito trabalho a ser feito, mas o melhor mesmo é estar perto de Cristo”. E outra, Luiza da Silva (62 anos), que queria deixar todos os seus bens para a Renascer...
A capacidade de extrair alegrias e riquezas da dor, demonstrada pelo bispo Hernandes, não ficou nisso. Para cumprir seu objetivo de “renascer das cinzas” e “esmagar com nossos pés sangrando a cabeça do gigante Satanás que fez aquele teto da Lins de Vasconcelos desabar”, o bispo anunciou uma produtiva programação de cinco cultos para domingo - às 8, 10, 15, 17 e 19 horas - que serão transmitidos via satélite de Miami, assim como uma marcha na qual “se tiver trio elétrico, melhor”...
Reportagem do Estado de quinta-feira dá conta do grau de receptividade dos fiéis da Renascer ao trabalho de arrecadação extra de seus dirigentes. “Doarei o dinheiro porque o templo não é do homem. Ele é do Senhor”, disse uma dona de casa. Assim como ela, muitos outros seguidores da Renascer estão dispostos a atender ao que é solicitado no site da igreja na internet, com a indicação da conta bancária em que devem ser feitos os depósitos em favor desta. Certamente nesse ímpeto doador, que mobiliza até pessoas muito humildes, que pouco ou quase nada têm para doar, juntam-se três traços característicos do povo brasileiro, a saber, religiosidade, generosidade e ingenuidade.
O bispo renascentista confia tanto nessa ingenuidade que não hesitou em dizer aos seus fiéis contribuintes - sem enrubescer - que se pudesse “escolher o local para morrer, escolheria o altar dentro da igreja”. “Essas vidas” acrescentou, referindo-se às extintas no desabamento, “estavam preparadas para a eternidade.” “Deus levou aqueles que Ele desejava.”
Nada disso motivará a bancada de vereadores evangélicos a exigir providências contra o descuido irresponsável na instalação dessas casas religiosas. Mas a administração municipal, o Ministério Público e a imprensa não podem se furtar a essa cobrança. Esperemos, então, que façam sua parte.